Rio +20<br>Encontrar soluções ou pintar o capitalismo de verde?

Vladimiro Vale (Membro da Comissão Política)

Aproxima-se a realização da Cimeira Rio+20, a chamada Cimeira da Terra. Não se tendo iniciado os trabalhos da cimeira propriamente dita, várias organizações e governos posicionam-se, sendo já conhecida uma série de documentos da Comissão Europeia, do Conselho e do Parlamento Europeu assim como da própria ONU, entre outros.

A solução para o ambiente não poderá vir do capitalismo

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Avaliando o que se conhece, podemos estar perante o risco sério de, partindo da identificação de problemas ambientais reais e graves e por detrás de objectivos nobres, estarem a ser urdidos verdadeiros planos de ingerência externa, de condicionamento do desenvolvimento de países e de aprofundamento de instrumentos que querem aplicar ao ambiente as regras de funcionamento do capitalismo.

Tal como o PCP denunciou aquando da realização da conferência de Copenhaga, instrumentos como o Esquema Europeu de Transacções (ETS), introduzido em 2005, não conduziram à desejada redução de emissões de gases de efeito de estufa, bem pelo contrário. A experiência europeia de transacção de quotas de carbono desmente claramente a virtuosidade da regulação pelo mercado e demonstra a ineficácia e perversidade dos seus instrumentos.

O PCP tem afirmado que estes mecanismos, decorrentes do protocolo de Quioto, mercantilizam o ambiente colocando a capacidade da Terra de reciclar carbono nas mãos das mesmas corporações que estão a delapidar recursos e a degradar o ambiente e que têm como objectivo não uma efectiva redução dos gases de efeito de estufa mas a criação do comércio do carbono. Ou seja, a criação de uma máquina bilionária de geração de activos financeiros fictícios, em tudo semelhantes aos gerados pelos mercados especulativos bolsistas, expostos às imprevisíveis variações do sistema que os cria.

No documento da Comissão Europeia sobre a Cimeira é evidente a aposta em instrumentos para a «transição para uma economia ecológica» baseados no mercado, como as licenças de emissão negociáveis, as eco taxas, entre outras. Também são abundantes as referências ao sector privado, ao mercado e à canalização de instrumentos de especulação para esta área. A Comissão Europeia chega a escrever que o investimento público deve ser mobilizado de maneira a «criar condições com vista a reduzir os riscos para o investimento privado». Ou seja, nesta como em outras áreas, o capital quer que os lucros sejam privados e que os prejuízos sejam públicos!

 

A caminho da ingerência «ambiental»

 

A outra questão que estará em discussão é a das instituições internacionais com competências para acompanhar a aplicação das conclusões da cimeira e o seu financiamento. A Comissão Europeia aponta para soluções que incluem, entre outros, o FMI, o que deixa antever uma ânsia de ingerência nos países em desenvolvimento e confirma as preocupações de aprofundamento das experiências de mercado nesta área e que apontam para a tentativa de consolidação de uma política de privatização da atmosfera com a consequente transferência de custos e responsabilidades para as populações e povos do mundo.

A solução para a degradação ambiental não poderá vir de um sistema, o capitalismo, que prova a cada dia a sua total irracionalidade e a sua natureza predatória e auto-destruidora. Um sistema que destrói a capacidade produtiva local aumentando os ciclos de produção e os fluxos brutais de energia e matéria para satisfazer as suas necessidades, colocando em causa a soberania dos povos e a sua segurança alimentar.

É urgente uma real política de limitação de emissões com efeito de estufa, sem atribuição de licenças transaccionáveis e que tenha em conta a necessidade de redução das emissões e uma justa distribuição dos esforços para as alcançar, por sectores e países.

É fundamental defender a produção local, reduzindo a amplitude dos ciclos de produção e consumo. Travar a liberalização do comércio mundial, factor de incentivo no aumento do consumo energético e de emissão de gases com efeito de estufa, para além do mais com graves consequências no plano económico e social.

É imprescindível a protecção dos ecossistemas naturais, terrestres e marinhos, e a recuperação de ecossistemas degradados, dado o importante papel que desempenham no ciclo do carbono, absorvendo uma parte significativa das emissões de dióxido de carbono.

Ou seja a solução passa por uma ruptura com as políticas que têm vindo a ser seguidas na UE e em Portugal, e não por tentar esconder a evidência de que a exaustão e degradação dos recursos naturais decorre do modelo de desenvolvimento capitalista e querer pintar de verde o capitalismo como forma, não de resolver os problemas mas de aprofundar a exploração, forçar novo ciclo de acumulação capitalista e encontrar formas de condicionar e interferir no desenvolvimento dos países mais pobres.



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